Page 62 - Centenário Sophia AEAV
P. 62
E seguiram juntos através dos pinhais. E mais uma vez Joana ouviu um barulho de
passos e um terceiro vulto surgiu entre as sombras azuis e os pinheiros escuros.
Tinha na cabeça um turbante branco e dos seus ombros caía um longo manto verde
bordado de pérolas. A sua cara era preta.
— Boa noite — disse ela. — O meu nome é Joana. E vamos com a estrela.
— Também eu — disse o rei — caminho com a estrela e o meu nome é Baltasar.
E juntos seguiram os quatro através da noite.
(…)
Já quase no fundo dos pinhais viram ao longe uma claridade. E sobre essa claridade a
estrela parou.
E continuaram a caminhar.
Até que chegaram ao lugar onde a estrela tinha parado e Joana viu um casebre sem
porta. Mas não viu escuridão, nem sombra, nem tristeza. Pois o casebre estava cheio de
claridade, porque o brilho dos anjos o iluminava.
E Joana viu o seu amigo Manuel. Estava deitado nas palhas entre a vaca e o burro e
dormia sorrindo.
Em sua roda, ajoelhados no ar, estavam os anjos. O seu corpo não tinha nenhum peso e
era feito de luz sem nenhuma sombra.
E com as mãos postas os anjos rezavam ajoelhados no ar.
Era assim, à luz dos anjos, o Natal de Manuel.
— Ah — disse Joana — aqui é como no presépio!
— Sim — disse o rei Baltasar — aqui é como no presépio.
Então Joana ajoelhou-se e poisou no chão os seus presentes.
Sophia de Mello Breyner Andresen
A Noite de Natal
Porto, Figueirinhas, 1989
(Adaptação)