JOVENS E DESPORTO: DAS ESCOLAS ÀS COMPETIÇÕES
O desporto jovem em Portugal é muito mais do que futebol. Está a crescer o número de atletas a praticar vólei, basquetebol, atletismo ou ciclismo, surf, rugby, ginástica ou patinagem. Dos . E se são os rapazes os grandes desportistas, o crescimento dos atletas federados na última década foi sobretudo feminino. Elas preferem ginástica, natação, voleibol, equitação ou patinagem, mas também já dão cartas no futsal ou no futebol. Quais as vantagens do exercício para o crescimento físico e psicológico? Quais são os riscos de uma prática mal-acompanhada? O que está a faltar nas escolas e nos apoios a quem quer competir em Portugal e representar o país lá fora?
Desporto Escolar em Portugal: A convergência, desde sempre, adiada entre sistema educativo e sistema desportivo
O desporto escolar (DE) deve ter um papel inequívoco na promoção de estilos de vida saudáveis, na formação da cidadania e no desenvolvimento de capacidades e competências. Não obstante o tema ser demasiado extenso e complexo quer na ótica da valorização social do DE, quer na das condições de desenvolvimento da atividade, o que nos preocupa é a relação, desde sempre adiada, entre o DE e o Desporto Federado (DF).
O DE integrado no plano de atividade da escola e coordenado no âmbito do sistema educativo (Decreto-Lei n.º 95/1991), abrange, para todos os alunos interessados (ensino público, particular, cooperativo), um sistema de modalidades e de práticas organizadas de modo a integrar o ensino, o treino, a recreação e a competição. Além de implementar as recomendações da OMS e da Assembleia da República (n.º 94/2013) relativas à promoção do desporto escolar e à prática desportiva, procura promover o sucesso educativo, o bem-estar dos alunos e colaborar com o desenvolvimento desportivo nacional.
O DE desenvolve-se em quatro níveis:
- nível I, atividades de continuidade dos conteúdos curriculares da disciplina de Educação Física;
- nível II, atividades de treino desportivo de grupos equipa e de competição desportiva;
- nível III, atividades de treino e competição em modalidades e grupos equipa de elevado potencial desportivo;
- nível IV, Centros de Formação Desportiva (CFD), que visam a melhoria do desempenho desportivo, através da concentração de recursos humanos e materiais em locais para onde possam convergir alunos de vários agrupamentos, quer nos períodos letivos, quer em estágios.
Tendo em consideração a existência de 939.232 alunos (dados de 2016) no sistema educativo, participam nas atividades de nível I (mega sprint, corta mato e basquetebol 3x3) cerca de 8.24% do total dos alunos; nas atividades de nível II, nas diferentes fases (Campeonatos Escolares; Regionais Escolares; Nacionais Escolares e Internacionais), em 38 modalidades desportivas, cerca de 19.83% alunos (186.304); e nas atividades de nível 4 cerca de 2.4% dos alunos.
Sendo o desporto uma atividade comum a ambos os sistemas e que pressupõe uma formação desportiva, apesar de em meios e contextos diferenciados, que implica o treino e a competição, na qual são necessários recursos humanos, logísticos, administrativos, temporais e de enquadramento que garantam as efetivas possibilidades de participação dos jovens que também são alunos, não se afigura uma atitude responsável a manutenção do deficit atual de articulação que se verifica entre o sistema desportivo e o sistema educativo, para além das iniciativas pontuais mais fruto das relações pessoais do que das institucionais.
Esta coordenação é determinante para dar resposta às recomendações da OMS e AR; para mitigar as consequências negativas da pirâmide demográfica invertida, criando hábitos de prática sistemática nos alunos em fase crítica de aprendizagem e não pressupõe nem a subalternização nem a balcanização de um sistema pelo outro, mas sim uma convergência de ações e partilha de recursos e de boas práticas num processo de generalização da prática desportiva em contexto escolar e associativo.
Isto num contexto atual de evidência de experiências de sucesso no âmbito de coordenação entre os dois sistemas com as Unidades de apoio ao alto rendimento escolar, UAARES, que têm resultado para o alto rendimento desportivo e sucesso académico, atestando a importância de ações desta natureza quando bem consagradas entre os dois sistemas.
A realidade é que o modelo atual, não favorece as possibilidades de desenvolvimento desta relação, apesar da desnecessidade de definir um modelo único e universal. O que deve ser equacionado é a possibilidade de enquadrar diferentes estratégias e fases de implementação que tenham como referência o contexto e a modalidade específica, tendo sempre como objetivo o aumento do número de jovens com acesso à prática desportiva, (inclusiva) e o seu devido enquadramento social, escolar e desportivo.
Este facto requer a existência de uma coordenação global, entre a Direção Geral da Educação (DGE) e as Federações Desportivas dotadas de Utilidade Pública (FDUP), via IPDJ, que defina princípios que orientem a estruturação de projetos específicos ao nível regional e local, possibilitando a existência de configurações diferenciadas em função das realidades específicas, valorizando a coordenação entre as escolas e agrupamentos de escolas, os clubes e associações, com envolvimento efetivo de alunos e professores, atletas e treinadores numa relação próxima com as autarquias locais.
Quadro das ações a implementar
Considerando a missão do sistema Educativo e Desportivo, devem as entidades do DE (coordenação nacional do desporto escolar, CLDE - Coordenações Locais do Desporto Escolar e as Direções de Serviços Regionais- DSR"s) e do DF (Federações dotadas de UPD, associações desportivas e clubes) coordenar ações em três grandes setores:
- formação de RH (Professores, técnicos desportivos e árbitros);
- quadros competitivos;
- projetos desportivos.
Existem ações gerais que a montante devem ser dirimidas de forma a facilitar as sinergias que garantam a eliminação de obstáculos administrativos/ legais na coordenação entre os dois sistemas, nomeadamente:
- ao nível dos seguros de participação (desportivo vs. Escolar);
- regras de restrição/promoção à participação de alunos federados nas competições de nível II e nível IV do DE, garantindo um alargamento da formação desportiva a mais alunos e a coordenação entre projetos dos centros de formação desportiva e seleções regionais do sistema desportivo;
- sistema de contabilização dos indicadores de prática contribuindo ambos como métricas da prática desportiva nacional.
Ao nível da formação, importa desenvolver processos de formação dos professores/treinadores para ações desenvolvidas no âmbito do sistema educativo ou federado, especificamente:
- Certificação de competências adquiridas em sede de formação contínua na formação inicial de treinadores para professores/treinadores de grupos equipa;
- Dupla certificação no âmbito da formação contínua de professores, créditos necessários para progressão na carreira, e formação complementar para renovação da cédula de treinador desportivo;
- Alargamento da formação elementar de árbitros/alunos conjuntamente com o sistema desportivo.
Ao nível dos projetos desportivos:
- Estender o desporto como complemento da atividade e formação escolar das crianças no 1º ciclo E. Básico pela coordenação entre os agrupamentos de escolas verticais e o DF (clubes e associações);
- Implementar a captação e acompanhamento de crianças e jovens praticantes com talento, assente nas unidades de ensino e treino do Desporto Escolar;
- Fomentar a criação de estruturas próprias de prática desportiva nas escolas, e rentabilizá-las com clubes/entidades associados ao DF (clubes e associações territoriais) envolvidas.
Ao nível dos quadros competitivos, fomentar e desenvolver a participação de equipas das escolas (DE) em quadros competitivos mistos, não só pela incorporação de grupos/equipas de nível II/III nos quadros competitivos do sistema federado e vice-versa, promovendo assim uma participação "mista" (Desporto Escolar e Desporto Federado) em idades de formação.
Todos estas ações carecem, desde logo, duma coordenação entre o DE e o DF, que passa acima de tudo pela partilha de informações, recursos humanos, logísticos e materiais devidamente faseados no tempo. Exista vontade política pois os restantes recursos necessários existem. Basta aproveitar de forma correta e convergente as cercas de 22.000 h de créditos horários assegurados pelo Ministério da Educação (Despacho 6827/2017) e a disponibilidade dos RH adstritos às FDUP.
Presidente da Federação Portuguesa de Natação
Adaptado de Fronteiras XXI